Passamos tempo de mais com os olhos abertos
Não se entra de forma ligeira em “Passamos tempo de mais com os olhos abertos”, o livro de estreia de Bruno Ramos, nem se sai incólume da sua leitura. O arco descrito por estes 50 contos percorre os meandros mais recônditos do inconsciente sensual, selvagem, vulnerável, humorístico, trágico, abjeto, amoroso e absolutamente livre. Em “Passamos tempo de mais com os olhos abertos” não há qualquer tipo de concessão na escrita, nem existe outra sensibilidade que não seja a da pele e tudo o que nela aflora vindo de dentro.
Domina neste livro a pulsão incontrolável do desejo, do erotismo e do amor em todos os seus matizes, insubmissos, advogando a revolta do corpo contra os traumas individuais do passado e de uma sociedade onde tudo é formato e mercadoria.
Impregnados num surrealismo onírico na senda de André Breton e deitando-se com os conceitos psicológicos de C. G. Jung, “Passamos tempo de mais com os olhos abertos” convoca as sombras do inconsciente para uma dança pagã sob a batuta do deus Dionísio. Uma celebração da vida, da alquimia bruta da natureza e das suas forças primárias, que tão polidamente recalcamos em troca do contrato social, que este livro estraçalha sem misericórdia. Assim o discurso da noite se fez obra diurna.